Com uma trajetória singular, Carlos Fortes transforma e ilumina projetos com a sua luz.
Uniflex: Carlos, nos conte um pouco sobre a sua trajetória profissional. Onde e como ela começou?
Carlos Fortes: Minha formação acadêmica é em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-UFRJ, a qual concluí em 1986. No Rio de Janeiro fui estagiário do Paulo Casé, um dos grandes escritórios de arquitetura das décadas de 1980 e 1990. E o Casé fazia projetos de iluminação com a Esther Stiller e Gilberto Franco. Eu recebia os projetos que chegavam e trabalhava neles no escritório. O contato com a iluminação não aconteceu dentro da faculdade. Ele ocorreu, mesmo, quando vim para São Paulo por outros interesses. Um ano depois, vi um anúncio nos classificados – naquela época procurava-se e achava-se empregos em classificados de jornal – e, por acaso, fui atender a esta solicitação e comecei a trabalhar com iluminação dessa maneira no escritório da Esther Stiller e Gilberto Franco, em 1988. Já no início, achei muito legal a possibilidade de trabalhar com a Esther, e ela quando me viu teve a mesma reação: “Que legal, alguém que veio do escritório do Casé”. Houve uma sinergia, uma coincidência boa entre eu, ela e o Gil porque tudo era meio inusitado. Eu que estava na capital paulista há pouco tempo e parar no escritório deles foi incrível, o início, o ponto zero da minha trajetória na iluminação, a qual eu gostei e achei que era uma boa ocasião. Lá fiquei e me desenvolvi! Ao mesmo tempo e pela mesma circunstância – o classificado de jornal – outra arquiteta, a Mônica Lobo, que tinha uma situação parecida com a minha porque também havia se formado no mesmo ano, veio para São Paulo e entrou para o time pela mesma seleção que eu. Me dei muito bem com a Esther, com o Gil e com a equipe. Aprendi a trabalhar a iluminação com eles!
Uniflex: Quando o curso de iluminação entra na grade da faculdade de Arquitetura e Urbanismo?
Carlos Fortes: No curso da arquitetura, ele sempre fez parte, mas era muito pouco, não sei em todas as universidades como era, mas nas tradicionais como a UFRJ onde eu estudei, por exemplo, acredito que era da mesma forma que na FAU-USP. No curso de Física, você estudava três aspectos da arquitetura: a acústica, a iluminação e o conforto. Não me lembro exatamente como era essa subdivisão, mas era um tema relacionado diretamente à cadeira de Física na arquitetura. Algumas coisas na faculdade de arquitetura são muito aprofundadas e outras são superficialmente tratadas. Os assuntos de conforto ambiental são pulverizados, não se tem um curso inteiro de acústica, um curso inteiro de luminotécnica, um curso inteiro de conforto térmico. O que você tem é, dentro da cadeira de Física, essas matérias sendo ministradas. Comigo foi assim. Na faculdade, eu tive aula de luminotécnica, inclusive, com um grande profissional: o Roberto Thompson Motta, que no Rio de Janeiro tem um escritório de acústica. Atualmente, quem comanda o escritório é o Fábio José Brussolo, meu contemporâneo na faculdade e estagiário do escritório do Thompson na época. Não sei informar quando ou se houve em algum momento um divisor de águas em falar mais de luminotécnica, pois não conheço as grades curriculares das universidades daqui de São Paulo. Mas eu tenho contato com arquitetos e recebo estagiários da área aqui no escritório, e o que vejo é que dentro da faculdade não existe mais aprofundamento do que antes. Talvez, em algumas faculdades particulares a cadeira de Física esteja até meio diluída. As grades curriculares hoje são muito menores. Eu estudei em uma Universidade onde as aulas iam das 7h da manhã até às 5h da tarde e sábado das 7h ao meio-dia com um curso de cinco anos. É claro que no último ano as aulas não eram em período integral, mas a carga horária e o currículo mínimo obrigatório era muito maior do que é hoje. Os currículos foram adaptados para o momento, hoje.
Uniflex: Como é você receber um aluno que precisa de um estágio e vai para o seu escritório sem entender muito de iluminação. Em quanto tempo essa pessoa consegue entender a complexidade de um projeto luminotécnico?
Carlos Fortes: É uma boa pergunta, mas difícil de responder. Existem duas coisas: o estagiário que nos procura espontaneamente porque se interessa por iluminação e quer aprender a trabalhar na área, e o que a gente capta de boca a boca, por indicação. Isso é muito variável porque tem gente que começa a trabalhar com iluminação, gosta e quer ser lighting designer. E outras estão apenas cumprindo um plano de estágio da faculdade e não têm a menor noção do que ser: designer de interiores, paisagista, arquiteto, professor. Então, é difícil identificar isso durante o período de estágio. A exceção eu diria que está no caso de uma pessoa que trabalha aqui com a gente, a Talita. Ela se interessou espontaneamente por iluminação. Assistiu a uma aula minha na Belas Artes – um curso de férias que lecionei – e me procurou. Ela veio com o interesse germinado. Hoje, existem cursos não entro da grade curricular, mas muitos livres, de pós-graduação, cursos no Istituto Europeo di Design, em São Paulo, no Senac, no qual ministrei aula em uma cadeira de iluminação dentro do curso de Design de Interiores… Mas não posso falar profundamente sobre isso porque não conheço o conteúdo programático dos cursos. Eu sei que, há 30 anos, não havia nenhum. O que se sabia de iluminação era o pouco que aprendia em uma universidade, o que se aprendia na prática profissional ou de alguém que já tinha o conhecimento da matéria; no meu caso, aprendi com a Esther e o Gil, que já eram herdeiros do Livio Levi, a primeira pessoa no Brasil que começou a falar de iluminação em arquitetura, e depois começaram a surgir alguns profissionais que haviam feito cursos técnicos específicos fora do país, como José Luiz Galvão. Isso, eu estou falando do final da década de 1980 e início dos anos 1990. Depois, o tema iluminação, felizmente, virou um assunto de interesse geral da arquitetura porque uma das nossas indicações era que os projetos de arquitetura enxergassem e criassem essa demanda pelo projeto específico de iluminação. Antes, isso não se fazia. Ou era o próprio arquiteto que executava o projeto de iluminação ou o engenheiro com as instalações elétricas que tinham no escopo dele projetar a iluminação.
Uniflex: A cultura de um arquiteto contratar um lighting designer para fazer o projeto de iluminação em uma arquitetura, seja ela residencial, predial, comercial, em um museu ou teatro acontece hoje com muito mais frequência. Mas ainda existem os que ainda pensam na iluminação como um ponto elétrico, uma bela luminária, mas não pensam no detalhe que uma boa iluminação pode resultar em um projeto. Em parâmetros, você consegue nos falar como e quando isso mudou?
Carlos Fortes: Eu acredito que aqui no Brasil houve dois ou três fatores indicativos de mudança. O primeiro deles, creio que foi a informação. Nos anos 1990, começou-se a ter mais informação do que se fazia no mundo todo. Surgiu a Internet com a informação rápida, a facilidade de viajar para feiras na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, para as semanas de design e uma série de eventos internacionais que se tornaram mais acessíveis e, com isso, o tema ficou mais visível e as pessoas a terem o interesse em fazer o que se via e ser um profissional somente de iluminação. Existe um profissional só de iluminação! Antes, aqui, era um mercado muito pequeno. Na década de 1960 tiveram os projetos de Brasília, que o Livio Levi – chefe da Esther, que após a morte do arquiteto, assume o escritório – projetou a iluminação de alguns edifícios públicos e, mais ou menos na mesma época, teve o projeto enorme de um parque público no Rio, o Aterro do Flamengo, cujo projeto luminotécnico foi pensado e executado pelo engenheiro e lighting designer americano Richard Kelly. Para mim, esses foram dois momentos importantes, mas que ficaram ali parados. Se você observar outros edifícios modernistas da década de 1950, por exemplo, o próprio Ministério da Cultura no Rio – o Palácio Capanema –, que é um edifício lindo, não tem um projeto de lighting design. Ele tem um projeto de iluminação que parece ter sido feito por um engenheiro elétrico. Mesmo a FAU-USP projetada pelo Artigas e a FAU-UFRJ por Machado Moreira, onde eu estudei, eram edifícios modernistas que não tinham um projeto específico de iluminação. Iluminação era um projeto complementar técnico como eram as instalações elétricas. Então, eu acredito que os dois marcos a considerar para um projeto com o olhar de vamos fazer a luz foram a construção de Brasília e o Aterro do Flamengo. Este último ousado até hoje, com postes de 45 metros de altura que iluminam o parque de cima para baixo quase como se fossem a luz da Lua. O momento em que essa coisa restrita, pontual, começou a mudar foi com o projeto do Citibank da Avenida Paulista, inaugurado em 1986. O primeiro edifício comercial, em que Esther e Gil projetaram a iluminação, que demandou um estudo luminotécnico como hoje é comum fazermos para os prédios comerciais. Nessa linha do tempo da iluminação no Brasil, a coisa começou a se expandir para outros bancos, edifícios comerciais e esse foi o segundo marco. Opa! Chegou no Brasil essa demanda de iluminação em edifícios inteligentes com a introdução de parâmetros para a economia, para a manutenção, para o controle de ofuscamento, para a boa distribuição luminotécnica para projetos corporativos. O terceiro momento veio com essa visibilidade e as coisas começam a acontecer com a abertura da comunicação quando você pode falar de conservação de energia, as pessoas podem ver por meio da Internet o que está acontecendo e sendo feito no mundo todo. E daí surgem a Euroluce, a LightFair, a feira de Frankfurt… e viajar torna-se algo corriqueiro. Até o momento, estou falando da abertura de comunicação. Mas vale dizer da importância da abertura de importação de produtos que ocorreu no início dos anos 1990. Os produtos brasileiros eram precários e não havia muita variedade. Voltando um pouco para a Esther, ela e mais três sócios abrem a Lumini entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 para a fabricação de luminárias porque o mercado, a indústria brasileira, não estava preparada para atender às demandas dos projetos que vinham de fora. A abertura para os produtos importados foi um outro marco porque aí passamos a ter mais opções para trabalhar.